Porque "007 - Sem tempo para morrer" não é lacrador (apesar de tentar)


    Não é de hoje que Hollywood descontrói (e destrói também) muitas histórias e personagens já consagrados da cultura pop em nome de uma representatividade falsa e mal caráter feita. Franquias como Star Wars, O Exterminador do Futuro amargam filmes que simplesmente distorcem e até desrespeitam o material fonte querendo agradar um determinado público para angariar novos fãs e mais dinheiro, mas que acabam por afastar os fãs de longa data e (em alguns casos) amargam prejuízos.


Dois bons exemplos de franquias destruídas descontruídas pelo progressismo 

    Quando o então novo 007 foi anunciado, o medo de muitos (incluindo deste que vos escreve) era o de que a franquia seguisse por esse rumo e estragasse por completo a mitologia de James Bond para sempre. Para alguns foi isso mesmo. Para mim, nem tanto. Na verdade, o que aconteceu, em minha modesta opinião, foi justamente o oposto: o filme tenta ser "lacrador" (no sentido mais pejorativo possível), mas acaba sendo antilacrador, expondo algumas falhas dos próprios movimentos progressistas, que anseiam por ser representados em tela.

    É justamente sobre isso que nosso texto tentará falar desta feita.

Sobre o filme


    "007 - Sem tempo para morrer" (No time to die, no original) é o 25º filme da série do espião e o último com Daniel Craig como James Bond. No filme o espião está de férias na Jamaica quando seu velho amigo da CIA Félix Leiter (Jeffrey Wright) lhe pede ajuda para encontrar um cientista desaparecido. Agora, ele precisa voltar a ação, mas percebe que as coisas já não são mais como antes, já que há um novo agente 007 em seu lugar. Ou melhor "uma nova" agente.


    No elenco, além de Craig e Wright, temos o retorno de Ralph Fiennes como "M", Naomie Harris como Moneypenny, Ben Whishaw como "Q", Léa Seydoux como Madeleine Swann, Christoph Waltz, como Blofeld, além das adições de Rami Malek como o (um pouco apagado) vilão Safin, Ana de Armas (maravilhosa) como Paloma e Lashana Lynch a famigerada nova 007, Nomi.

    Depois de viver Bond em outros quatro filmes, Daniel Craig se despede do personagem (o que nenhum ator teve a chance de fazer antes, salvo, talvez, Sean Connery em um filme não oficial chamado "Nunca mais, outra vez") em grande estilo. Para alguns o melhor de todos os Bond's; para outros o pior. Para mim, nem o melhor, nem o pior, apenas bom dentro do que lhe foi proposto.

Pai de família

     Comecemos falando sobre o fato de Bond ter decidido constituir família. Já vi alguns criticando isso dizendo que ele é mulherengo, não se apaixona por ninguém, é um bon vivant e tals. Até certo ponto, isso é válido, pois foi assim que Ian Fleming imaginou o personagem. Mas é aquela coisa: às vezes ele ia pra cama com alguém pela missão; outras tantas vezes era por safadeza mesmo. Não quero defender esse  lado dele, mas defender que um homem deveria, um dia, deixar a safadeza de lado (ou nem mesmo entrar nessa vida) e constituir família, ser o homem de uma mulher só.

     Já seria aí o primeiro ponto antilacrador: ele não está deixando a "vida bandida" de mulherengo porque está sendo castrado por uma mulher; está deixando essa vida porque é o certo a se fazer, é o que todo homem deveria fazer! Deixar de ser moleque e ser homem, controlar o "seu fogo" (pra não dizer coisa pior) e amadurecer.

     Em certa medida, o Bond de Craig faz isso, deixa os seus traumas de lado, deixa as mulheres de lado e se dedica a uma única mulher com quem decide viver e ter uma família. E tem quem reclame disso dizendo que ele fez isso em nome de um progressismo, de um feminismo castrador que faz homens serem menos homens. Destruir corações, promiscuidade, relacionamentos sem compromissos não são coisas de homem. Se casar e ter um relacionamento sério, duradouro com uma pessoa, até que a morte os separe é uma ideia mais conservadora do que progressista.

A nova "James Bond"?


    Aí está o ponto que mais gerou controvérsias. Foi anunciado que haveria uma mulher assumindo o famoso número "007". O rumor que surgiu foi que "iriam transformar James Bond em uma mulher". Admito que fiquei com receio quando fiquei sabendo disso, mas, conforme a data de estreia ia se aproximando e eu via os trailers, fui deixando o medo de lado e fui assistir ao filme. Ainda bem.

    O primeiro ponto: não é "uma  James Bond"! No final do filme anterior, "007 contra Spectre", Bond deixou o serviço secreto para viver com Madeleine Swann. Ele se aposentou, mas o código "007" não. Qual é a atitude mais lógica a ser tomada nesse caso? Outro agente seria promovido a "00" e, forçosamente, assumiria o número 007. E é justamente o que acontece.

    O que intrigou a muitos foi o fato de ser uma mulher, negra, a assumir o posto. A princípio pode se imaginar uma "lacradinha" aí: "uma mulher faz o serviço melhor que um homem". Talvez fosse isso que os idealizadores do filme quisessem mesmo, porém o que se vê em tela não é "um melhor que o outro" e sim "ambos são competentes naquilo o que fazem" - a realidade no fim das contas.

    Ao término, a própria personagem percebe que se ficasse como "007", estaria tomando um lugar que não era seu. Não é que ela fosse incapaz e não merecesse estar na "empresa", é justamente o oposto: ela é capaz o suficiente de ter o próprio espaço sem precisar tomar o lugar de outra pessoa, atitude que muitas franquias de Hollywood têm tomado. Quando tentam substituir um personagem já consolidado entre o grande público por outro, apenas por causa de uma agenda - John Connor, Luke Skywalker, dentre outros - em tese querem dizer que não são capazes de criarem personagens femininas boas e fortes o suficiente. O efeito é o oposto ao que o movimento deseja: acabam dizendo que as mulheres são incapazes de conseguir algo por seus próprios méritos.

    Nomi pede para que a designação "007" seja devolvida para Bond, reconhecendo, assim, que não pode crescer na vida em detrimento de outra pessoa. Simbolicamente, ela diz que tudo o que Hollywood anda fazendo com os personagens masculinos está errado e tenta devolver a eles o que nunca deveria ter sido tomado. E, depois, trabalham juntos para completar a missão. E o fazem com competência e ótimo entrosamento. Fica a dica para as próximas franquias no futuro.

O dever de todo pai


     Agora, outro ponto que causou reboliço entre os fãs do personagem - e devo adverti-lo que é o maior spoiler de todos caso ainda se importe a essa altura do texto. A morte de Bond ao final da história deixou os fãs mais Xiitas revoltados. "Mas James Bond não morre! Que bomba de filme! Que desrespeito com o personagem!" Blá, blá, blá...
    Tudo bem. Fiquei impactado com essa dura e triste surpresa também, porém, dentro do que nos é proposto, a jornada desse Bond precisava de um fim. Daniel Craig, por mais que talvez gostasse de viver esse personagem, já queria se despedir dele há muito tempo. Se o Bond dele ficasse vivo, a tentação de voltar para um sexto filme seria grande.

    Com o coração apertado, eu preciso dizer que esse Bond do Craig precisava morrer mesmo. E que final digno de um HOMEM de verdade escolheram para ele. Morrer como homem já é antilacração total. Morrer por sua família é mais antilacrador ainda. "Como?!", você pode me perguntar.

    Na Bíblia, na carta de Paulo aos Efésios está escrito: "Maridos, amai vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela" (Ef. 5.25). A forma como os homens casados são instruídos (na verdade ordenados) a amar suas esposas é de forma sacrificial.  Morrer, literalmente se for preciso, por elas, a exemplo do que Jesus fez. E isso não é opcional, é uma ordem.

    No trecho final do filme, Safin contamina Bond com o vírus e este foi programado para ser fatal contra Madeleine e a filha deles. E, como foi mostrado no decorrer da trama, o vírus Héracles ia ser transmitido de hospedeiro, por hospedeiro até, inevitavelmente, encontrar o seu alvo. Ao perceber o que o vilão acabara de fazer, o espião o mata e toma uma decisão difícil, mas que, por amor, era a única a ser escolhida.

     Assim "como também Cristo amou a igreja", James Bond decidiu dar a sua vida por sua mulher e por sua filha. Ele se entregou por elas. Ponto. Ele foi mais Cristão que muitos "cristãos", em especial homens, por aí. Se há uma coisa que o "universo lacrador" odeia - e odeia com todas as suas forças - é a visão judaico-cristã do mundo. Esse foi o tiro de misericórdia que saiu pela culatra da produção: eles colocaram um personagem "cristão" como protagonista do filme, alguém que perdoa, que reconhece seus erros, que se sacrifica.


     
Não há nada mais "antilacração" que isso.

Por fim...


    Lógico que existem outros pontos que podem ser levantados em contraposição ao que foi apresentado aqui. No entanto, é difícil não ver esses pontos e, talvez até outros que não foram lembrados aqui, não concordar que "007: Sem tempo para morrer" é muito mais antilacração do que previam seus idealizadores ou do que os fãs mais enjoados queiram admitir.


    A despedida de Daniel Craig foi em grande estilo e, certamente, memorável. Não foi o filme impecável e perfeito que poderíamos desejar, mas está no mesmo nível dos melhores estrelados pelo ator ao longo desses 15 anos. Quem não gostou do filme, provavelmente foi porque percebeu esses detalhes antilacradores que apontamos aqui quanta pretensão minha, coisas essas que para o politicamente correto são inadmissíveis.

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